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sábado, 4 de setembro de 2010

“Malhação”: desconectada da realidade



Por Ale Rocha


Duas semanas após sua estreia, a nova temporada de “Malhação” dificilmente cumprirá o prometido. Com o objetivo de retratar as tensões entre jovens de diversas origens e classes sociais, a novela não escapa de sua sina: criar e exibir um universo paralelo, sem qualquer conexão com a realidade adolescente brasileira.

Nem mesmo a direção de núcleo do experiente Ricardo Waddington (“A Favorita”, “A Cura”) ou o roteiro de Emanuel Jacobina (“Coração de Estudante”) salvam “Malhação”. Antes da estreia da nova fase, Jacobina prometeu usar o conceito de “cidade partida”.

‘Malhação’ até agora vivia numa bolha em que periferia e centro não se encontravam”, declarou para o jornal Folha de S. Paulo. Para aproximar ricos e pobres, um concurso de bolsas de estudo leva ao colégio Primeira Opção alunos que pegam ônibus e trabalham para ajudar a família.

Até aqui, a nova temporada de “Malhação” falha em sua proposta de renovação e de um novo olhar sobre o cotidiano jovem. Afinal, apenas na novela global o subúrbio carioca é tão belo como a zona sul da cidade maravilhosa. No mundo onírico retratado em “Malhação”, o trem é limpo e vazio. No país em que jovens entre 15 e 24 anos são as principais vítimas de assassinatos, a grande angústia dos personagens é o próximo beijo ou uma maldadezinha contra um colega de colégio.

Aliás, por mais redundante que possa parecer, e realmente é, a novela consegue ser superficial até mesmo em sua superficialidade. O filtro moral presente na teledramaturgia brasileira surge com mão pesada em “Malhação”. Todo e qualquer conflito é descartável. Até mesmo assuntos triviais, como as paixões adolescentes, são tratados sem profundidade. Os personagens são tão rasos como um pires. Nem mesmo a eterna luta entre o bem e o mal é apresentada de forma satisfatória. Mocinhos e bandidos são caricatos e não convencem leitores mirins de contos de fadas.

Desde sua estreia na Globo, em 1995, “Malhação” já teve 18 temporadas. Ao longo deste tempo, apresentou – sim – bons momentos. Já abordou a gravidez na adolescência, Aids, bullying e outros temas contemporâneos. Contudo, a novela peca ao evitar a polêmica. “Malhação” não entra em bola dividida e parece ter uma única missão: moldar, desde logo cedo, o telespectador conservador que, futuramente, se sentirá horrorizado quando uma novela do horário nobre abordar temas como diversidade sexual, corrupção, drogas e infidelidade.

Inevitável comparar “Malhação” com as séries adolescentes. “Gossip Girl” está longe de mostrar o cotidiano da maioria dos jovens norte-americanos. Contudo, entre um exagero e outro, ela cumpre seu papel ao expor um universo muito particular e restrito: a alta sociedade nova-iorquina. O mesmo acontece na ensolarada “90210″. “Huge” e “The Secret Life of The American Teenager” acertam ao não temer assuntos contemporâneos e tocam em feridas como preconceito, obesidade e gravidez na adolescência.

Enquanto isso, “Malhação” prefere se abster da realidade. Nem mesmo a participação do combativo rapper MV Bill contribui para a novela se aproximar do cotidiano adolescente. Enquanto estiver no ar, “Malhação” dificilmente deixará de ser surreal e difícil de engolir.

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